A Geopolítica do Mar do Sul da China

Maurício Santoro
3 min readJul 14, 2016

Nesta semana a Corte Permanente de Arbitragem (Haia, Holanda) decidiu que a maior parte das reivindicações chinesas ao Mar do Sul da China é inválida e que Pequim não possui autoridade histórica sobre a região. A decisão foi tomada a partir de um processo iniciado pelas Filipinas, mas as disputas pelos limites marítimos locais envolvem também Brunei, Indonésia, Malásia, Taiwan e Vietnã. A China anunciou que não aceita a posição da Corte e os demais países reagiram com cautela, evitando declarações que acirrem os ânimos.

O que está em disputa

As disputas territoriais pelo Mar do Sul da China remontam à década de 1970, numa série de embates entre chineses e vietnamitas, mas se tornaram mais acirradas no século XXI, com uma China em acelerado crescimento econômico cada vez mais ávida por recursos naturais. A região em conflito é rica em petróleo e gás natural, além de ser uma área importante para a pesca e de rotas cruciais na navegação global.

O cerne da disputa é a “linha dos nove pontos” (acima)que a China apresentou em 2009 e é rejeitada pelos demais países da região, que afirmam que ela viola suas zonas econômicas exclusivas — o limite de 200 milhas náuticas (370Km) assegurado pela Convenção da ONU sobre o Direito do Mar. A Corte em Haia basicamente concordou com esse argumento.

A China vem tentando refutar essas acusações alegando que os recifes e corais do arquipélago das Spratly (abaixo) devem ser considerados como ilhas à luz do direito internacional, o que daria ao país zonas econômicas exclusivas. Essa é uma demanda controversa, pois as cerca de 750 localidades que as formam tem apenas 4km2 de área acima do nível do mar. Para reforçar a solicitação, os chineses tem aumentando as Spratly por meio da construção de ilhas artificiais.

O risco de conflito

O Mar do Sul da China é uma região com forte atividade militar, incluindo bases de fuzileiros navais nas pequenas ilhas que são parte das disputas entre os vários países. Escaramuças entre as respectivas marinhas tem ocorrido ocasionalmente, bem como uma crescente presença de tropas dos Estados Unidos, com dois porta-aviões. Embora Washington inste Pequim a respeitar o direito internacional, o governo americano até hoje não ratificou a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar.

O leste e sudeste da Ásia são palcos de diversas disputas territoriais e sentimentos nacionalistas ardorosos, que com frequência remontam às questões não-resolvidas da Segunda Guerra Mundial e uma história de rivalidades e ocupações entre China, Coreias, Filipinas, Indonésia, Japão, Rússia e Vietnã. As principais iniciativas de integração regionais asiáticas, a ASEAN e a APEC, são voltadas majoritariamente para o aumento do comércio e não oferecem mecanismos eficazes de mediação e resolução de conflitos territoriais.

Ao longo dos últimos 15 anos, houve diversas ocasiões de conflitos diplomáticos em que o governo chinês instigou ódios nacionalistas que resultaram em grandes manifestações e protestos violentos contra embaixadas e consulados de países ocidentais e do Japão. Até o momento, isso não aconteceu com a disputa no Mar do Sul da China, mas há temores que o tema possa ser utilizado como uma válvula de escape para uma série de descontentamentos que se alimentam da redução do crescimento econômico e da piora de problemas sociais.

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Maurício Santoro

Doutor em Ciência Política pelo Iuperj, professor-adjunto do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.